sábado, abril 22, 2006


E porque esta semana o jornal O PUBLICO nos brinda com o primeiro dos sete filmes da fantástica colecção por um preço "simpático", talvez tenha chegado a hora de ver (ou rever) o génio em estado bruto...
Realizador de eleição, «Allen Stewart Konisberg» (seu nome original) que aos 15 anos já escrevia para programas de televisão como «Ed Sullivan Show».

«Capítulo Um.Ele adorava Nova Iorque.Idealizava-a até ao absurdo.» - a forma como demonstra que os Manhattanianos criam neuroses para si próprios a fim de evitar «problemas insolúveis e aterrorizantes sobre o universo» - não será uma censura ao pessimismo cada vez mais presente na sociedades urbanas contemporâneas ?
Vivemos com a febre do futuro e de preocupações sobre as consequências dos nossos actos, enquanto o Mundo gira e o relógio biológico vai passando sem nós darmos conta!

Duas das obras primas mais conhecidas do autor : "Manhattan" e "Annie Hall", o meu voto vai para a primeira...ambas foram escritas por Allen e Marshall Brickman mas só a primeira atinge o equilibrio perfeito entre o brilhante humor oblíquo e as feridas derivadas de relacionamentos humanos. E aquele elenco de luxo...Meryl Streep, Diane Keaton e o próprio Woody...
O momento mais revelador de 'Manhattan' ocorre com os planos atmosféricos da cena da manhãzinha com Allen e Diane Keaton sentados naquele banco de jardim em frente ao rio (sob a 52nd Street Bridge), não esquecendo, claro está, a fotografia luminosa a preto e branco (Gordon Willis) acompanhada de uma banda sonora FENOMENAL - música de George Gershwin, estonteantemente aplicada (com execução da Orquestra Filarmónica de Nova Iorque, dirigida por Zubin Mehta).

*Este maestro de origem indiana esteve há bem pouco tempo em território luso acompanhando o concerto de Marjana Lipovsek na Culturgest para dirigir a Ópera da Baviera.


Woody Allen dixit :


"Preocupa-me o futuro porque é lá que irei passar o resto da minha vida."

"Não quero alcançar a imortalidade através do meu trabalho. Quero atingi-la não morrendo."

"Qual a diferença entre os bons e os maus ? os bons dormem melhor à noite, enquanto os maus vivem melhor durante o dia."

"Se o meu filme fizer mais alguém miserável, sinto que fiz o meu trabalho."

"Não digam mal da masturbação, é como ter sexo com alguém que realmente se ama."

domingo, abril 16, 2006

"Quid Iuris" ?

"Quid Iuris"

Na vida em comunidade, há coisas que devem ser impostas; as restantes devem ser livres. O direito é a necessidade existencial de distinguir com fundamento umas e outras. Ou melhor, o direito são as respostas a essa necessidade.

1) Talvez fosse poético negar a necessidade da distinção, decerto dizendo que tudo é livre. Poético, mas não vivido.

2) Fazer direito é, por definição, procurar uma resposta correcta. E procurar-lhe fundamento.

3) O direito não é a resposta posterior a uma necessidade, como beber é a resposta à sede. A necessidade de distinguir os comportamentos impostos dos comportamentos livres é já uma vivência jurídica. Mas dá-se especialmente o nome de direito ao conjunto destas respostas, no plural, porventura ainda com os seus fundamentos.

4) O direito não é um dado, é sempre um resultado que se procura. Não há dado algum, seja uma lei ou um costume, que suprima a pergunta: esse comportamento deve ser livre ou imposto?

(autoria de Jurista de nomeada)

Poesia com dignidade Nobel


Sr. Astronauta...

Aqui, na Terra, a fome continua,
A miséria, o luto, e outra vez a fome.

Acendemos cigarros em fogos de napalme
E dizemos amor sem saber o que seja.
Mas fizemos de ti a prova da riqueza,
E também da pobreza, e da fome outra vez.
E pusemos em ti sei lá bem que desejo
De mais alto que nós, e melhor, e mais puro.

No jornal, de olhos tensos, soletramos
As vertigens do espaço e maravilhas:
Oceanos salgados que circundam
Ilhas mortas de sede, onde não chove.

Mas o Mundo, astronauta, é boa mesa
Onde come, brincando, só a fome,
Só a fome, astronauta, só a fome
E são brinquedos as bombas de napalme.

(José Saramago In "Os Poemas Possiveis" (1981)

sábado, abril 15, 2006

Last Tango in Paris

INESQUECIVEL : Maria Schneider com Marlon Brando

Épico em extensão mas não tanto em dimensão este marco subtil e rico da sensualidade assinado por Bernardo Bertolucci consiste numa inquietante alusão à paixão carnal.
Na realidade, bem que podia ser um filme - retrato saudosista de
Serge Gainsbourg tais as nódoas de sangue obstinadas, gritos inarticulados e convulsões corporais.
Esta é uma magnífica parábola sobre a paixão em tom de «crazy love» sobre um Homem e uma Mulher que, num apartamento em Paris inventam o amor com carácter de urgência.
Os monólogos obscenos e escatológicos estão repletos de cortes e reflexos de espelhos que acabam por se traduzir em enquadramentos deslocados que multiplicam a desorientação do espectador
(apenas serenado aquando das valsas de saxofone da autoria de Gato Barbieri).
Esta «obra poderosa sobre a solidão sexual e afectiva» trata da estória de um homem de meia idade (Marlon Brando) assombrado pelo suicídio da sua mulher quando conhece uma parisiense de 20 anos(Maria Schneider) com quem partilha todo um ritmo de desafios carnais em decréscimo de sobriedade constante.
A cereja especial de Bertolucci está no brilhante golpe de casting que colocou Maria Schneider a contracenar com o excepcional Jean-Pierre Léaud em diálogos deliberadamente superficiais que contrastam com a relação central com Brando.
O progressivo desmantelamento de ilusões presente neste filme representa uma séria tentativa cinematográfica de desmoronar tabus tornando este argumento verdadeiramente transversal geração após geração.
Nem a ausência do explícito envolvimento entre as personagens minimiza a genialidade, o interesse e a curiosidade sobre a temática; um filme com poder suficiente para colocar o espectador em posição de subserviência intlectual transformando-o num aprendiz do ABC do Sexo...

*Esta obra prima encontra eco no magnifico «L'Amant» de Jean Jacques Annaud (1992) onde existe uma realidade para além de outra realidade, a do devir sexual...

terça-feira, abril 11, 2006

A Floresta Mágica


Resquício do jardim do éden antes dos primeiros passos de Adão, a floresta Laurissilva da Madeira constitui, quanto a mim, o maior património natural do país. Valor confirmado pela UNESCO quando a classificou como Património Natural Mundial em Dezembro de 1999.
Esta floresta chegou a ocupar grande parte do sul da Europa e norte de África antes do frio das glaciações a ter extinto. Incapaz de se adaptar às variações climáticas, a floresta mágica permaneceu nas ilhas dos arquipélagos do Atlântico Norte estando aí protegida do frio que assolava o continente.
Quando os primeiros homens chegaram aos arquipélagos, estes estavam cobertos da floresta Laurissilva mas a magia da floresta não foi suficiente para o engenho do Homem. E aos poucos a floresta foi consumida, tendo permanecido apenas vestígios em algumas ilhas. Hoje em dia pertence à ilha da Madeira a mais extensa e bem conservada Laurissilva do mundo.
Rara e preciosa, abrigada do turismo de massas, escondida em profundos vales e protegida por enormes abismos, a floresta mágica ainda hoje existe, e está lá, pronta a revelar a sua magia a quem a quiser conhecer e souber encontrar.

segunda-feira, abril 03, 2006

Taxi Driver (1976)

"Travis Bickle" - Interpretação devastadora de Robert De Niro


A experiência de visionar "Taxi Driver" é assistir ao poder magnético da 7ª arte, quanto a mim, o melhor filme de Scorsese porque consegue como nenhum outro retratar a génese e evolução da obsessão de um personagem - Travis Bickle.
A violência nocturna é tratada na cidade de Nova Iorque e deriva, em certa medida, da solidão e ainda, da revolta pessoal que enferma de um auto-aniquilamento progressivo por parte de um individuo assombrado pelo dilúvio social vigente.
No entanto, o génio de realização está na forma como é explicado o ambiente opressivo onde se desmistifica o mito "Night Behavior" e num ápice se alcança o ponto nevrálgico que conduz um cidadão diligente à delinquência, maxime anomia - «Eis um Homem que já não aguenta mais isto».
Nem todos os filmes transmitem uma mensagem tão perfeitamente convincente e essa é uma verdadeira dimensão poderosa desta obra prima que Scorsese concebeu.
O taxista atormentado e inconformado pelo insulto exprime com intensidade máxima o sentimento de decadência física e moral que o rodeiam, através de um desabafo que serve de pronúncio para o desenrolar da acção : «Um dia virá chuva a sério e limpará toda esta canalha das ruas».
Assim, este olhar cinéfilo sobre a malaise urbana e exclusão nunca foram demasiado sombrios, desabrigados e claustrofóbicos ao ponto de representarem certos elementos do género noir - a voicecover de Bickle, a banda sonora de Bernard Hermann e o inquietante jazz Nova Iorkino (não esquecendo o magnifico "Sentimental Mood" - John Coltrane) e o cenário de homicídio num dos raros momentos onde se vislumbra esperança e que nos afastam da sua mente perturbada.
Numa reviravolta irónica em que os fins justificam os meios, é a voz da periferia, de Doistoievsky, a vir à superfície com uma pistola e um desejo de morte, um anti-herói com uma abordagem «mãos à obra!».
Na fatal postura de Travis Bickle surge um elogio cuja linguagem assenta numa tónica marcadamente coloquial* (o vilão cometeu uma façanha?) e urge decidir se o seu triunfo inadvertido é ou não uma tragédia...


* «Um Homem que fez frente à canalha, às pegas, aos cães, à porcaria, à merda. Eis um homem que fez frente.»