sexta-feira, março 30, 2007

Noites Brancas

A obra de Dostoievski tratada por Visconti - Marcello Mastroiani com Maria Schell - maravilhoso encontro.

O elogio é para o livro. "Noites Brancas". O sonho é nocturno. Enquanto durante o dia há uma luminosidade qualquer no ar - o branco - significa a vida real. Por aqui, percebemos o título que lhe foi atribuido. Dostoievski construiu este seu romance sentimental sob a égide de duas premissas: sonho e realidade. Os predicados seriam insuficientes para preencher esta página. Vale o suficiente para se chegar aos 25 anos e se dizer que se leu um dos melhores livros. O convite para o sonho, significando um passaporte para a realidade. Porque vale a pena sonhar. Nunca parece mal. Ou como lá se diz: «Porque há minutos em que se está pronto a acreditar que o sonho não é uma excitação de sentimentos, uma miragem, uma ilusão». E realmente é verdade. Realmente, o sonhador corta a respiração, acelera o pulso, os olhos jorram lágrimas e toda a existência se enche de uma alegria indestrutível. A resposta está nesta noite branca. O uso da ilusão. Viver um sonho. Afinal compreendi a ideia do autor. E as ditas literárias são tão confusas. Aquele Mundo de escritor é sempre tão complexo e abstracto (ainda por cima russo de S.Petersburgo). A edição da Assírio&Alvim dá uma excelente tradução de russo para português. Muito bom!



"Cartão Amarelo" a Luchino Visconti «Le notti bianche»:



E o alfinete, a avó cega ou a empregada surda?

Nota: O pecado não é original. Bertolucci também fez um "pequeno Buda" muito diferente de Siddharta, do Hesse.

segunda-feira, março 26, 2007

Aquele músico que era surdo...

Ludwig Van Beethoven

"Apenas as palavras quebram o silêncio, todos os outros sons cessaram. Se eu estivesse silencioso, não ouviria nada. Mas se eu me mantivesse silencioso, os outros sons recomeçariam, aqueles a que as palavras me tornaram surdo, ou que realmente cessaram. Mas estou silencioso, por vezes acontece, não, nunca, nem um segundo. Também choro sem interrupção. É um fluxo incessante de palavras e lágrimas. Sem pausa para reflexão. Mas falo mais baixo, cada ano um pouco mais baixo. Talvez. Também mais lentamente, cada ano um pouco mais lentamente. Talvez. É-me difícil avaliar. Se assim fosse, as pausas seriam mais longas, entre as palavras, as frases, as sílabas, as lágrimas, confundo-as, palavras e lágrimas, as minhas palavras são as minhas lágrimas, os meus olhos a minha boca. E eu deveria ouvir, em cada pequena pausa, se é o silêncio que eu digo quando digo que apenas as palavras o quebram. Mas nada disso, não é assim que acontece, é sempre o mesmo murmúrio, fluindo ininterruptamente, como uma única palavra infindável e, por isso, sem significado, porque é o fim que confere o significado às palavras."

300

Emissário Persa com a sua guarda pessoal a caminho de Esparta.

A mais recente adaptação ao cinema de uma BD de Frank Miller sobre a Batalha das Termópilas é um filme de extremos, isto porque oscila entre momentos de brilhantismo com outros muito mal conseguidos. De um ponto de vista técnico é um trabalho extraordinário, e poder assistir às diferentes tonalidades da cor do céu ao longo de 2 horas vale só por si a pena.

O ponto fraco do filme consiste no seu argumento, e nos diálogos entre personagens, que sendo maus não deixam de ter a sua piada. Os autores também não resistiram em introduzir elementos que não estavam presentes na obra original, e estes na sua maioria não resultaram bem.
Um filme divertido e inovador do ponto de vista técnico, mas que não deixa de ser uma oportunidade perdida, ao não ter desenvolvido o argumento para além das tiras da BD.

quinta-feira, março 22, 2007

Como o cinema era belo...

Cidadão Kane em "O Mundo a seus pés"

Porque acreditamos sempre naquilo que vemos, nós não esquecemos «Citizen Kane». Por mais filmes, documentários ou séries que se nos atravessem, nós não esquecemos «Citizen Kane». Porque o cinema era um e passou a ser outro. Só por mera distracção é que nos escapa o sentido mais íntimo da vida do cidadão pobre tornado rico. Provavelmente o filme mais marcante de sempre...até no «Rosebud» misterioso que gerações de cinéfilos tentaram alcançar. Orson Welles esteve bem. E nunca mais esteve igual. É claro que é a sua obra prima. Os seus outros filmes foram sucedâneos.

Esta é também uma biografia de um homem. O primeiro puxão de orelhas do cinema ao jornalismo desmesurado. Vou mais longe, vou até... à sociedade pipoca? é nos demonstrado tanto descontrolo industrial, relações humanas poluídas - as mesmas que tornam o pobre um rico - Sem filtros, foi assim que o cinema mostrou.

segunda-feira, março 19, 2007

Manhattan

Woody Allen com Diane Keaton

Este filme consagra uma estética directamente relacionada com o belo. É muito belo. Não é belo que a indecisão conduza ao distanciamento no campo do amor. Belo é o espaço de divagação onde se movem as personagens. Um caminho hilariante e ao mesmo tempo inteligente nas citações de Groucho Marx, Nietzsche ou Bergman à cabeça - a constante tentativa do realizador nos lembrar como o cinema era belo - porque nem sequer é esquecido outro tubarão - wim wenders. Mas não termina aqui o bom reportório de referências culturais - como sempre, excelente selecção de clássico jazz nova iorquino em todas aquelas humoradas geniais. São aqueles virtuosos do saxofone ou da viola, como o Miller ou o Django.
Numa das raras (mas brilhantes) composições dramáticas do seu historial de filmes, Woody Allen acaba por perder o amor em virtude de indefinições compulsivas que regem o seu espirito. No final do filme, quando já detém uma certeza, vê-se forçado a cumprir o destino. E aceita-o.
Esta derrota é desvalorizada, porque no final de contas, Woody sabe que entretanto fará mais filmes, e outros corações conquistará, porque o amor em Allen é como a maré, vai, vem e volta. O final lembra aqueles bolos asiáticos ao mesmo tempo salgados e doces, não sabemos se gostamos, mas comemos.
Um filme para rever porque o verdadeiro cinema mora aqui ao lado. Chama-se Manhattan.

quarta-feira, março 14, 2007

Dreamgirls

Dreamgirls

O melhor filme estreado em 2007. Não por qualquer razão de ordem concreta. É um hino do cinema. Excelentes interpretações (com voz), as Supreme estão ali naqueles mais de 180 minutos de filme. E com elas rejuvenescem aqueles clássicos do Soul : «Baby Love», «You can´t Hurry Love» e «Stop in the name of love». O filme é uma homenagem ao trio, com especial enfase para Diana Ross (atente-se no pormenor das unhas), e não pretende senão uma aproximação estreita com o Mundo da indústria discográfica, subentendemos todos, tratar-se da «Motown» - em tempos designada, a casa do Soul.-
O filme transporta-nos para um alinhamento psicadélico-semântico, onde impera o ambiente natural que se respirava na Detroit de 60.(Nem o guitarrista Marv Tarplin escapa).
As raparigas já tinham arregaçado as mangas em banquetes, bailes, e outros eventos, mas o concurso Emancipation daquele ano marcou a emancipação das Primetes. Valioso, muito valioso, são a primeira Girls Band (e logo portadoras de cor) no sócio-culturalismo do appartheid (brilhante a crispada referência a Luther King).
O facto é que as Supreme ainda não tinham tido êxitos de monta, ao contrário das Vandellas, assim como é verdade que estas últimas deixaram quase de repente de ser a prioridade da Motown.
O facto da realização tomado partido na especulação em torno da ligação sentimental de Diane com Berry Gordy e Brian Holland só enriquece o filme. Até mesmo naquele episódio em que Diane empurra Mary e lhe rouba o microfone quando esta convida Berry Gordy a juntar-se às raparigas é tão fácil de reproduzir. Aliás reproduzir aquilo que todos imaginaram sem que nunca lá tenham estado para ver. Não é isto que esperamos do cinema? O filme ofusca a representação de Eddie Murphy (ou ele ofusca-se a si próprio?). A melhor obra prima musical dos últimos anos.