segunda-feira, abril 27, 2015





Ousando o ora escriba dissertar de forma reiterada sobre as águas estranhas da literatura, ainda para mais tratando- se de área com estatuto ininteligível a um vulgar jurista da praça da Parede, se a indiscrição for permitida- e ressalvadas as distâncias para quem é autoridade na matéria - a canção charneira de Kate Bush elege um título literário paradigmático do herói byroniano: o «monte dos vendavais», de Emily Bronte.

Não que não se pudessem fazer as coisas ao jeito do romance comum entre os mortais - que se façam! e far-se-ão, por certo - mas o livro ali estaria, como lastro, a lembrar que somos, quase sempre, clichés da hipersensibilidade. O truque, se truques há, é encontrar um sortilégio de como deixar de o ser.

Claro que posso estar a ser tendencioso, exagerado. É costume tal coisa acontecer quando se escreve sobre uma narrativa que nos marcou mais pelo timing com que entrou nas nossas vidas do que pela sua qualidade intrínseca. Mas a literatura, como o homem, é ela própria mais as suas circunstâncias.

Paradoxalmente, se há coisa que  Wuthering Heights nunca será é um romance de circunstância: é incontornável, intenso e, mesmo se datado, estranhamente próximo. A estória de Heathcliff e Catherine atira-nos para as profundezas daquilo que está submerso, id est, para a personificação do invisível karma sempre presente e para o qual não há fuga possível.

Nesse mundo interior que urge desbravar a letra musical celebérrima de Kate Bush aparece vinda dos seus escombros. Mas, por isso mesmo, deixemo-la como tal ou então lembremo-la apenas por umas das minhas passagens preferidas que aqui reproduzo de memória:

«You had a temper like my jealousy: Too hot, too greedy.How could you leave me, When I needed to possess you? I hated you, I loved you too.»


Vale a pena assistir ao movimento vago no bosque de uma cantora que balbucia uma letra suprema que não se vê a olho nu. 


https://www.youtube.com/watch?v=BW3gKKiTvjs