Ousando o ora escriba dissertar de forma
reiterada sobre as águas estranhas da literatura, ainda para mais tratando- se
de área com estatuto ininteligível a um vulgar jurista da praça da Parede, se a
indiscrição for permitida- e ressalvadas as distâncias para quem é autoridade
na matéria - a canção charneira de Kate Bush elege um título literário
paradigmático do herói byroniano: o «monte dos vendavais», de Emily Bronte.
Não que não se pudessem fazer as coisas ao
jeito do romance comum entre os mortais - que se façam! e far-se-ão, por certo
- mas o livro ali estaria, como lastro, a lembrar que somos, quase sempre,
clichés da hipersensibilidade. O truque, se truques há, é encontrar um
sortilégio de como deixar de o ser.
Claro que posso estar a ser tendencioso,
exagerado. É costume tal coisa acontecer quando se escreve sobre uma narrativa
que nos marcou mais pelo timing com que entrou nas nossas vidas do que pela sua
qualidade intrínseca. Mas a literatura, como o homem, é ela própria mais as
suas circunstâncias.
Paradoxalmente, se há coisa que
Wuthering Heights nunca será é um romance de circunstância: é
incontornável, intenso e, mesmo se datado, estranhamente próximo. A estória de
Heathcliff e Catherine atira-nos para as profundezas daquilo que está submerso,
id est, para a personificação do invisível karma sempre presente e para o qual
não há fuga possível.
Nesse mundo interior que urge desbravar a
letra musical celebérrima de Kate Bush aparece vinda dos seus escombros. Mas,
por isso mesmo, deixemo-la como tal ou então lembremo-la apenas por umas das
minhas passagens preferidas que aqui reproduzo de memória:
«You
had a temper like my jealousy: Too hot, too greedy.How could you leave me, When
I needed to possess you? I
hated you, I loved you too.»
Vale a pena assistir ao movimento vago no
bosque de uma cantora que balbucia uma letra suprema que não se vê a olho nu.
https://www.youtube.com/watch?v=BW3gKKiTvjs
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