segunda-feira, junho 15, 2009

Jean profeta Eustache


O filme dos filmes não fartou a minha primeira lição de cinema, por isso entendi submeter-me a um segundo esmagamento pessoal e humano. Voltarei mais vezes, tantas quantas as vidas que viver. O realizador profeta deixou margem diminuta para o cinéfilo homem escalpelizar os detalhes que ele edificou. A obra que honra o cinema mereceria uma mesa redonda de comentadores. Os momentos de pura coerência estética -filosofia, poesia, erudição, beleza - enfermam o caminho do justo que redundará em algo que está perto da perfeição.
La maman et la putain encontra-se inacessível no circuito comercial (DVD), o que se revela calamitoso para uma obra que deveria ter visionamento obrigatório nas escolas e universidades.
«Parler avec les mots des autres, voilá ce que je voudrais. Ça doit être ça, la liberté». Existe um segredo por trás de cada palavra. A poesia pode ser falada numa sequência de imagens em cascata com participação de actores. Eles fazem a vénia à liberdade. Jean Eustache escreve um guião poético para Jean Pierre Leaud. De novo, o espectador é confrontado com imagens. Pausa. Palavra sobre palavra. Versos. Rimas. Puro encanto. De repente, os actores são poetas. 3h e 40m de saudação à palavra. A imagem é também a (boa) gestão dos espaços, há a garrafa de whisky no canto inferior direito e, ao centro, o actor faz as delicias do espectador. O livro vem por baixo com a capa virada para o ecran. Alexandre lê, vêmo-lo a maior parte do tempo deitado ou sentado. A homenagem à preguiça,claro. O Maio de 68 também foi a revolta dos estudantes repetentes. «O que fazes amanhã? nada, obviamente.Porquê?». Veronika é a outra face da lua. Ela é a mãe. Atente-se neste pormenor: Veronika tem os sovacos rapados (ao contrário de Marie), pelo que se torna fácil indentificar quem Eustache quis no papel de puta.
Todo o filme apresenta uma transformação bi-travestida, precisamente o de uma puta no corpo de mãe e de uma mãe no corpo de puta, até que, a final, o enredo repõe a verdadeira natureza de cada personagem.
La vie d'Alexandre, émaillée de bavardages, entre sa femme et sa maîtresse. A sinopse apresenta os três vértices do triângulo: Alexandre, Marie e Veronika.
Quand je fais l’amour avec vous, je ne pense qu’à la mort, à la terre, à la cendre. Qual é a crueldade do sexo, do amor e da paixão (por esta ordem)? O rasto deixado pelo vazio espiritual e o ateísmo das intenções poligâmicas que os três conservam e do qual não abdicam.
Regardez, je commence à être saoule et je bégaie et cest absolument horrible, parce que ce que je dis je le pense réellement. Et je pourrais rester tout le temps avec vous tellement je suis heureuse. Je me sens aimée par vous deux. O Diabolugum de Veronika. Afirma-se feliz com o triângulo mas acabará a verter lágrimas como se encarnasse a tristeza do seu realizador (Eustache). Para os que nunca o viram, desenganem-se, o cinema mora aqui!