terça-feira, abril 29, 2008

os olhos de Anna Karina...


Um dia vou acordar no Mundo da nouvelle vague francesa, inscrever-me na época da profunda mutação social e cultural, que era, em uníssono, em prol da novidade, mas também do novo romance, da nova música, da nova pintura - a democratização da cultura.
E se band a part enuncia o desenvolvimento da obra ficcional de Godard, colocando a traição como pano de fundo (tema recorrente nos filmes da década de 60), em a bout de soufle Patrícia executa majestosamente a morte de Michel e faz aquele movimento do polegar sobre os lábios. É que Jean-Luc (se preferirem) costuma dizer que «trair é amar» ou, em reciprocidade, «morrer é transmitir».
Mas ao contrário do que possa parecer, esta arte não é imoral, pelo contrário, o herói morre e a expressão “nojo” estampa-se-lhe no rosto. E a partir de uma única palavra, surge um programa estético que afirma a irredutabilidade de uma arte que apenas procura o politicamente correcto.
…e como se dizia na Cahiers du Cinema «Os Anos Karina foram, decididamente, os mais juvenis e ficcionais de Godard».

Nota: Naturalmente “a terra treme” com a bela escandinava de olhos azuis – acinzentados e andar cambaleante que Godard contratou. Ela é o mesmo que Ingrid Bergman representou para Rosselini: chama crua que consome a carne, o estereotipo de mulher amada na fogueira do cinema.

segunda-feira, abril 28, 2008

25 de Abril


25 de Abril de 2008

Hoje de novo a juventude portuguesa, foi rotulada de ignorante e desinteressada. Não há novidade ou espanto nestas afirmações é certo. A desconfiança e incerteza sobre as capacidades das gerações vindouras, são ancestrais e repetem-se.

Ao Sr. Presidente da Republica:

Sobre a ignorância:

Nunca uma geração esteve tão informada e consciente do mundo. Não há indiferença aos problemas que são globais. O mundo globalizado, que nos chega diariamente, traz-nos a noção que não estamos orgulhosamente sós. Somos por certo dos mais conscientes da Europa, no que diz respeito ao mundo alem fronteiras. Façamos então um estudo comparativo sobre o entendimento global do mundo aos jovens europeus e certamente não encontraremos nos portugueses os resultados costumeiros de fim de tabela.

Os jovens portugueses são hoje, alem de tudo, europeus. Façam-nos conseguir respeitar o que é ser português e certamente o faremos. Não temos ainda o poder, que está nas vossas mãos, não é a nossa geração que faz politica activa. A construção de credibilidade da utilidade da política, numa democracia, é um trabalho que não é da nossa geração, é o que falta para fechar todo o processo do 25 de Abril de 1974. Faça-nos urgentemente conseguir ser um pouco mais crentes e patriotas e certamente nos lembraremos do nome de todos os capitães de Abril com a facilidade que nos lembramos dos nossos melhores jogadores de Futebol.

Sobre o desinteresse da nossa geração:

Somos cidadãos activos, criamos e associamo-nos a movimentos sociais. O voluntariado em Portugal é uma actividade frequente e comum entre a nossa geração, muitos de nós o fazem. Jovens dedicam-se diariamente a causas sociais exteriores ao seu ego, com uma enorme noção de inter ajuda e utilidade social.

Temos noção da importância do pagamento atempado dos impostos, mesmo que a grande maioria dos jovens viva à custa de recibos verdes e em condições laborais verdadeiramente deploráveis.

Temos acesso a todo o tipo de cinema e literatura e acredite que fazemos grande utilidade dessa benesse. Não temos é certo a palavra subversão no nosso vocabulário quotidiano, não nos é necessária, mas acredite que pouco temos como garantido. A instabilidade tomou o lugar da insubordinação. Somos idealistas como todos os jovens por este mundo fora, se as nossas palavras não são ouvidas é porque não há ouvidos à altura delas.

Não somos de forma alguma uma geração conformada, como querem fazer querer, lutamos diariamente pela sobrevivência, num país que nos maltrata e achincalha.

"Vós, diz Cristo, Senhor nosso, falando com os pregadores, sois o sal da terra: e chama-lhes sal da terra, porque quer que façam na terra o que faz o sal. O efeito do sal é impedir a corrupção; mas quando a terra se vê tão corrupta como está a nossa, havendo tantos nela que têm ofício de sal, qual será, ou qual pode ser a causa desta corrupção? Ou é porque o sal não salga, ou porque a terra se não deixa salgar. Ou é porque o sal não salga, e os pregadores não pregam a verdadeira doutrina; ou porque a terra se não deixa salgar e os ouvintes, sendo verdadeira a doutrina que lhes dão, a não querem receber. Ou é porque o sal não salga, e os pregadores dizem uma cousa e fazem outra; ou porque a terra se não deixa salgar, e os ouvintes querem antes imitar o que eles fazem, que fazer o que dizem. Ou é porque o sal não salga, e os pregadores se pregam a si e não a Cristo; ou porque a terra se não deixa salgar, e os ouvintes, em vez de servir a Cristo, servem a seus apetites. Não é tudo isto verdade? Ainda mal!

Suposto, pois, que ou o sal não salgue ou a terra se não deixe salgar; que se há-de fazer a este sal e que se há-de fazer a esta terra? O que se há-de fazer ao sal que não salga, Cristo o disse logo: Quod si sal evanuerit, in quo salietur? Ad nihilum valet ultra, nisi ut mittatur foras et conculcetur ab hominibus. «Se o sal perder a substância e a virtude, e o pregador faltar à doutrina e ao exemplo, o que se lhe há-de fazer, é lançá-lo fora como inútil para que seja pisado de todos.» Quem se atrevera a dizer tal cousa, se o mesmo Cristo a não pronunciara? Assim como não há quem seja mais digno de reverência e de ser posto sobre a cabeça que o pregador que ensina e faz o que deve, assim é merecedor de todo o desprezo e de ser metido debaixo dos pés, o que com a palavra ou com a vida prega o contrário.

Isto é o que se deve fazer ao sal que não salga".

(do Sermão de Santo António, Padre António Vieira)

sábado, abril 12, 2008


Poetas de todo o mundo… Sede miseráveis.

Quando Frank, em Little Miss Sunshine, convence o sobrinho, Dwayne, que é um erro querer perder os preciosos anos de sofrimento que adolescência lhe pode proporcionar, por esses anos serem os mais produtivos, ou quando o nosso Ruy Belo fala na arte poética como sendo a de “administrar a tristeza sabiamente”, faço uma lista mental das coisas que fazem sofrer.

Nunca sei muito bem se estou bem tranquila, assim tipo “ceifeira” do Fernando Pessoa, ou se quero saborear aqueles doces momentos de humilhação, inadaptação, frustração, desgosto, angústia, rejeição, absurdo, solidão…

A vida, só por si, aborrece às vezes…

De uma forma ou de outra, a miséria atrai.

Ou atrai para aqueles que, não querendo a sua própria miséria, querem ver, sordidamente, a miséria do outro.

Ou atrai porque queremos partilhar a nossa dor sentida, na dor lida (Autopsicografia – Fernando Pessoa), isto é, ver espelhada a nossa miséria individual no poema de alguém que, julgamos nós, também sofreu (e por isso verteu esse sofrimento no poema). Aqui procuramos comungar com aquele que escreve, queremos ler acerca da nossa dor, acerca de nós próprios.

No entanto, às vezes, a miséria atrai, na medida em que queiramos, pura e simplesmente, sofrer.

Da perspectiva dos que querem o sofrimento (às vezes para serem melhores actores, escritores ou até para se armarem em frente às namoradas), haverá uma maneira de o cultivar, eficazmente?

Se eu desejar permanecer infeliz, serei capaz de semelhante proeza?

Sofrer não é assim tão fácil como parece. O problema é que quando estamos infelizes acabamos por cair na ratoeira da felicidade, pois, ao conhecer o sofrimento, corremos sérios riscos de apreciar melhor aquilo que é bom e que passa, por assim dizer, a contrastar melhor com o mau (Vanilla Sky - the sweet and sour conversation).

Ruy Belo diz que é triste tudo e mais alguma coisa à nossa volta, exortando, em seguida, o miserável poeta a administrar a tristeza sabiamente… Que é como quem diz, "faz alguma coisa de produtivo com o mal que te vai na alma".

Acho que é doce o sofrimento individual e tem vindo a ser subvalorizado! Não é só bom por nos fazer crescer, como dizem alguns, com paternalismo. É mesmo uma forma de subversão contra este enorme concurso de beleza que é o mundo em que vivemos (uma vez mais, a deliciosa conversa tio-sobrinho, em Little Miss Sunshine).

Aqueles que querem sofrer, são acusados de auto comiseração e encorajados a mudar o seu estado de espírito. Como se sofrer fosse mau (andar por aí feliz é que nunca fez ninguém ficar para a posterioridade)!

Por isso, para todos os miseráveis, poetas ou não, desejem ou não o vosso estado de alma, aqui vai o meu solidário Bem Haja!

quarta-feira, abril 09, 2008




A MÃO NO ARADO

Feliz aquele que administra sabiamente
a tristeza e aprende a reparti-la pelos dias
Podem passar os meses e os anos nunca lhe faltará

Oh! como é triste envelhecer à porta
entretecer nas mãos um coração tardio
Oh! como é triste arriscar em humanos regressos
e equilíbrio azul das extremas manhãs do verão
ao longo do mar transbordante de nós
no demorado adeus da nossa condição
É triste no jardim a solidão do sol
vê-lo desde o rumor e as casas da cidade
até uma vaga promessa de rio
e a pequenina vida que se concede às unhas
Mais triste é termos de nascer e morrer
e haver árvores ao fim da rua

É triste ir pela vida como quem
regressa e entrar humildemente por engano pela morte dentro

É triste no outono concluir
que era o verão a única estação
Passou o solidário vento e não o conhecemos
e não soubemos ir até ao fundo da verdura
como rios que sabem onde encontrar o mar
e com que pontes com que ruas com que gentes com que montes conviver
através de palavras de uma água para sempre dita
Mas o mais triste é recordar os gestos de amanhã
Triste é comprar castanhas depois da tourada
entre o fumo e o domingo na tarde de Novembro
e ter como futuro o asfalto e muita gente
e atrás a vida sem nenhuma infância
revendo tudo isto algum tempo depois
A tarde morre pelos dias fora
É muito triste andar por entre Deus ausente

Mas, ó poeta, administra a tristeza sabiamente

Ruy Belo
- in "O Problema da Habitação - Alguns Aspectos" (1962)

O ora escriba vem dar a nota de boas vindas à ultima «aquisição» do Dogville. A presença de verdadeiros amigos torna o significado desta baiúca mais rico e permite recuperar a infância ao tempo que passou. Ficamos à distância de um click e assim Macau fica mais perto!

terça-feira, abril 08, 2008


Em «l' eclisse» Monica Vitti traduz o ideal comum de beleza. Antonioni preocupara-se em transpor para o cinema a precariedade dos relacionamentos com enfase na ausência. É assim quando Piero e Vittoria combinam encontrar-se e depois nenhum aparece, sobressai o deserto vazio daquela rua (onde era suposto haver encontro), buraco destapado de relações humanas. O esgoto. Monica Vitti aparece como a barbie de um paraíso perdido, um relâmpago de consumo instantâneo e perene. Estas remeniscências de 1962 lembram «como o cinema era belo».

segunda-feira, abril 07, 2008




Amou daquela vez como se fosse a última
Beijou sua mulher como se fosse a última
E cada filho seu como se fosse o único
E atravessou a rua com seu passo tímido
Subiu a construção como se fosse máquina
Ergueu no patamar quatro paredes sólidas
Tijolo com tijolo num desenho mágico
Seus olhos embotados de cimento e lágrima
Sentou prá descansar como se fosse sábado
Comeu feijão com arroz como se fosse um príncipe
Bebeu e soluçou como se fosse um náufrago
Dançou e gargalhou como se ouvisse música
E tropeçou no céu como se fosse um bêbado
E flutuou no ar como se fosse um pássaro
E se acabou no chão feito um pacote flácido
Agonizou no meio do passeio público
Morreu na contramão atrapalhando o tráfego...


Amou daquela vez como se fosse o último
Beijou sua mulher como se fosse a única
E cada filho seu como se fosse o pródigo
E atravessou a rua com seu passo bêbado
Subiu a construção como se fosse sólido
Ergueu no patamar quatro paredes mágicas
Tijolo com tijolo num desenho lógico
Seus olhos embotados de cimento e tráfego
Sentou prá descansar como se fosse um príncipe
Comeu feijão com arroz como se fosse o máximo
Bebeu e soluçou como se fosse máquina
Dançou e gargalhou como se fosse o próximo
E tropeçou no céu como se ouvisse música
E flutuou no ar como se fosse sábado
E se acabou no chão feito um pacote tímido
Agonizou no meio do passeio náufrago
Morreu na contramão atrapalhando o público...


Amou daquela vez como se fosse máquina
Beijou sua mulher como se fosse lógico
Ergueu no patamar quatro paredes flácidas
Sentou prá descansar como se fosse um pássaro
E flutuou no ar como se fosse um príncipe
E se acabou no chão feito um pacote bêbado
Morreu na contra-mão atrapalhando o sábado...

Por esse pão prá comer por esse chão prá dormir
A certidão prá nascer e a concessão prá sorrir
Por me deixar respirar por me deixar existir
Deus lhe pague...

Pela cachaça de graça
Que a gente tem que engolir
Pela fumaça desgraça
Que a gente tem que tossir
Pelo andaimes pingentes
Que a gente tem que cair
Deus lhe pague...


Pela mulher carpideira
Prá nos louvar e cuspir
E pelas moscas bixeiras
A nos beijar e cobrir
E pela paz derradeira
Que enfim vai nos redimir
Deus lhe pague...



Texto / Construção - Chico Buarque
Imagem / Anita Ekberg -

quarta-feira, abril 02, 2008

Aos meus grandes amigos sonhadores:

Para que as noites de tertúlias se eternizem no tempo das ideias, - para que o alento com que enfrentamos a vida, seja cada vez maior e mais denso, - para que os dias nunca corram da mesma maneira , - ainda que distante, deixo-vos estas palavras mágicas de alguém que nasceu para nascer….

Escultura de Niemeyer, no Memorial da América Latina.

Fonte: Wikimedia/Gabrielt4e.



Morre lentamente
quem se transforma em escravo do hábito,
repetindo todos os dias os mesmos trajectos, quem não muda de marca
Não se arrisca a vestir uma nova cor ou não conversa com quem não conhece.
Morre lentamente
quem faz da televisão o seu guru.
Morre lentamente
quem evita uma paixão,
quem prefere o preto no branco
e os pontos sobre os "is" em detrimento de um redemoinho de emoções,
justamente as que resgatam o brilho dos olhos,
sorrisos dos bocejos,
corações aos tropeços e sentimentos.
Morre lentamente
quem não vira a mesa quando está infeliz com o seu trabalho,
quem não arrisca o certo pelo incerto para ir atrás de um sonho,
quem não se permite pelo menos uma vez na vida,
fugir dos conselhos sensatos.
Morre lentamente
quem não viaja,
quem não lê,
quem não ouve música,
quem não encontra graça em si mesmo.
Morre lentamente
quem destrói o seu amor-próprio,
quem não se deixa ajudar.
Morre lentamente,
quem passa os dias queixando-se da sua má sorte
ou da chuva incessante.
Morre lentamente,
quem abandona um projecto antes de iniciá-lo,
não pergunta sobre um assunto que desconhece
ou não responde quando lhe indagam sobre algo que sabe.

Evitemos a morte em doses suaves,
recordando sempre que estar vivo exige um esforço muito maior
que o simples fato de respirar. Somente a perseverança fará com que conquistemos
um estágio esplêndido de felicidade.

Pablo Neruda