sábado, fevereiro 11, 2006

Idioterne




Em «Os Idiotas» Lars Von Trier usou uma série de expedientes para demonstrar a sua inabilidade enquanto autor, afastando-se o mais possível de um modo coerente, organizado e profissional de filmar a história. Deste modo, os corolários subscritos pelo realizador resultam em saltos constantes no som, devido à impossibilidade de criar uma pista sonora separada, e se as cenas mais escuras têm um enorme acréscimo de grão, devido à proibição de iluminar artificialmente, pelo contrário os artistas movem em vagas de claridade sem precedentes...
Um grupo de jovens partilha um interesse: a idiotice.
Reúnem-se numa grande casa, onde passam o seu tempo livre a explorar os valores da idiotice. E a praticá-los! O projecto é a manifestação de um apetite explosivo pela vida, e confrontam a sociedade com ele.
Destarte, foi subvertida a estrutura de cinema convencional e projectada uma nova epistemologia. Desde então, a euforia dogmática determinou que fossem produzidas algumas peças cinéfilas em que o tema do disparate saudável permaneceu : Os idiotas (Idioterne, 1998) de Lars Von Trier, Mifune (Mifune sidstesang, 1999), de Soren Kragh-jacobsen; e Festa de família (Festen, 1998), de Thomas Vintenberg - três referências cruciais do movimento.
Em Os Idiotas, há a inauguração de Von Trier do movimento Dogma 95. São jovens de classe média que se fingem de idiotas para causarem o desconforto daqueles que os vêem em locais públicos.
Para eles, ser um idiota significaria manter alguma pureza dentro de si.
A ideia é convincente para todos, mas apenas Karen (a única realmente idiota) a leva a sério.
Que lição tirar de tudo isto ? simples : a voluntariedade de emoções quando encarada de forma pacifica e não lesiva de interesses terceiros pode ser aceite, ou como já foi dito por outras bandas, trata-se de uma "saudável loucura".
O filme discute a questão da normalidade social impondo regras de conduta aos indivíduos, aprisionando assim a sua liberdade de expressão.
A principal pedra de toque do filme é de fácil digestão :
1) para se ser um idiota é preciso ter regras. Por isso, ocorre, como no DOGMA 95, a liberdade de expressão, mas inserida em padrões privativos.
2) Apenas Karen, que se juntara ao grupo por acaso, leva estas regras "anormais" até às suas devidas conseqüências, sendo que os demais sucumbem ao peso da consciência: o fardo da tradição, o apego às conveniências da vida burguesa, o medo e a inconsistência de seus próprios objetivos.
O espectador logo se surpreenderá nas primeiras cenas de Os Idiotas , filme dinamarquês dirigido por Lars Von Trier em 1998 - tanto pela estética (quase amadora) como pela proposta inovadora do filme que é referência crucial ao Movimento Cinematográfico Dogma 95.
Nesta provocação é que se insere Os Idiotas - onde o conteúdo não depende da embalagem (da estética), sendo uma obra comovente, criativa e possível de várias análises filosóficas, sociológicas e psicanalíticas, já que foi o próprio Lars Von Trier que definiu o filme como uma "defesa da anormalidade".
Deste modo, apesar de serem guiados pela determinação implacável de provocar a falsa moral da sociedade acabarão por dar inicio a um processo de catarse social complacente da ordem social estabelecida.
O argumento dos "Idiotas" tem precedente no filósofo francês Michel Foucault no que se refere à (a)normalidade e ao desvio social.
O "anormal" foi criado através de discursos, práticas e organizações sociais que, desde o século XIX, sociologicamente, o termo (a)normal , a partir de 1820, com Auguste Conte, adquiriu uma conotação médica e também apreciativa e normatizadora; pois normal vem de Normalis.
Não há o "normal" , o ideal natural, próprio da natureza humana, mas sim uma construção de valores morais e regras de acordo com determinado momento histórico.
O idiota, o anormal é justamente aquele que pelo seu comportamento e modo de vida é considerado perigoso por tentar infringir a ordem social.
No entanto é justamente a diferença que inspira a possibilidades de alteração da ordem estabelecida.
Ser "idiota" permite aliviar a culpa do facto de se ser um normal..
Assim, "Os idiotas" é então um equívoco, uma insídia, um conformismo indireto que se apropria sobre a ordem da normalidade e a da anormalidade.
Von Trier insere no filme uma cena em que os idiotas fazem sexo em grupo (mostrada explicitamente) como uma maneira de subverter a ordem dos sexos e expressarem a loucura e a idiotice reduzindo o indivíduo aos seus desejos mais primitivos. Isso revela o quanto a sexualidade está por trás da loucura; mas uma sexualidade específica, aquela considerada desviante num determinado momento histórico.

O cinema pode desencadear a transcendência quando o artista se transcende e aqui temos dois artistas a transcenderem-se: Lars Von Trier e os idiotas...

Lars Von Trier...(o quarteto)



Um realizador de TOP sem o aval de Hollywood (onde não regista qualquer prémio) mas continua aclamado pela critica.
Lars Von Trier é hoje uma marca internacional do cinema e deve-o, em boa medida, ao génio, à caracterização das personagens, à qualidade da realização e ao argumento da esmagadora maioria dos seus filmes (excepções feitas a "Epidemia"(1987) e "Europa"(1991) - filmes que ficam uns furos abaixo dos restantes).
Para se gostar de Von Trier urge conhecer a realidade humana, ser fiel depositário de sentimentos, numa palavra: HUMANIDADE.
Desafio qualquer mente cinéfila a enumerar um realizador que tenha tido coragem de romper com as regras de cinema, de forma tão EXPRESSA como fez Lars Von Trier.
O manifesto DOGMA 95 (1995) é disso exemplo, foi assinado por Von Trier, Thomas Vinterberg (realizou "Dear Wendy"), entre outros cineastas, e veio "trazer ar fresco" ao cinema contemporâneo.
O "estilo subversivo" como lhe apelidou o júri do festival de Cannes encaixou como luva nas novas tendências que trouxe e que chamou de "voto de castidade", ou seja, um rompimento sério com locais de filmagem (apenas no exterior e sem utilização de acessórios ou cenografias), cãmera utilizada na mão (estilo grotesco e PARADIGMÁTICO de Von Trier) que permite uma noção incrivel dos actores sobre o momento em que estão a ser filmados - do próprio manifesto consta aliás que "O filme não deve ser feito onde a câmera está colocada; são as tomadas que devem desenvolver-se onde o filme tem lugar".
Von Trier faz lembrar a linguagem cinematográfica de Carl Theodor Dreyer autor do argumento de um dos seus melhores filmes "Medea"(1988) e cineasta dos universos catárticos, estranhos e permeados por algum tipo de transgressão, de uma leitura estranha.
Outras caracteristicas do género de realização saltam à vista : utilização de câmera em 35 mm e ausência do nome do director da lista de créditos finais (itens que constam do manifesto).
Em suma, este manifesto veio trazer uma Nouvelle Vague às tendências cinéfilas até então e isso para mim é que define aquilo que o manifesto auto-titulou de "ato de resgate" de todas as tendências praticadas no cinema.
Do seu curriculum constam nada mais nada menos que o curso na Escola de Cinema de Munique e na Escola de Artes Cinematográficas de Copenhague onde produziu diversas curtas metragens. Somado a isso, fez dezenas de trabalhos publicitários, mini-séries e videoclipes para o DR, canal televisivo da Dinamarca.
Mas o verdadeiro C.V. de Von Trier são os filmes que deixou e que me motivam a escrever sobre ele.
Nomeio os quatro melhores filmes de Lars Von Trier e explicarei o que me apaixona em cada um deles...


segunda-feira, fevereiro 06, 2006

"Meu querido Diário"



Este filme é um misto de comédia e documentário auto-biográfico dirigido e interpretado por Nani Moretti. O filme, que valeu ao cineasta o prémio "Melhor Realizador" no Festival de Cannes de 1994, está dividido em três partes. Na primeira história, Moretti percorre as ruas de Roma, no Verão, ao guiador da sua vespa. Na segunda, viaja com um amigo pelas ilhas da Sicília e na terceira consulta vários médicos por causa do linfoma que teve.
A viagem de Moretti na sua lambreta «Vespa» pelas várias urbanizações degradadas da cidade de Roma, os comentários e a ironia sobre os vicíos de uma sociedade renascida depois da década de 70.
Não esquecer o vislumbramento sobre as ilhas desde Lipari até Stromboli (esta última com um vulcão em erupção).
Todo o filme se centraliza numa critica ao cinema comercial, quando Nanni Moretti visita as diversas salas de cinema romanas e consta que não passam de puro entretenimento balofo e desprovido de conteúdo...até que acaba por nos transportar para o local onde um dos maiores cineastas de sempre, Pier Paolo Pasolini foi assassinado, parecendo deixar no telespectador uma noção de saudade do cinema eterno...
O 2º acto transporta-nos para a sátira aos meios de comunicação...a "vitima" do 2º acto é a televisão pública (personificada atravès do personagem "Gerardo" que durante 30 anos não vê T.v. mas que acaba por um dia se tornar telenovelodependente...).

Moretti descobre o prazer de brincar com uma bola


Nanni Moretti visita Lipari, onde vive Gerardo, o amigo que se dedica a estudar o "Ulisses" de James Joyce. Mas a calma e tranquilidade que tanto um como o outro ambicionam foge-lhes a cada passo, à medida que deambulam pelas outras ilhas - de Salina a Panarea - a norte da Sicília.
Quando parecem ter encontrado a paz, na mais selvagem Alicudi, uma ilha sem electricidade, e sem televisão, o mais recente fascinio de Gerardo por telenovelas acaba por deitar tudo a perder.



Moretti com Gerardo na ilha de Lipari


Finalmente, no 3º acto Nanni Moretti trata da relação que mantém com a sua doença. Esta consiste numa comichão intensa nos braços e nas pernas e que o levará a frequentar diversos médicos e conhecer os podres do sistema.




Um bom filme...

domingo, fevereiro 05, 2006

Cantigas De Amigo

Ondas do mar de Vigo,
se vistes meu amigo!
E ai Deus, se verrá cedo!

Ondas do mar levado,
se vistes meu amado!
E ai Deus, se verrá cedo!

Se vistes meu amigo,
o por que eu sospiro!
E ai Deus, se verrá cedo!

Se vistes meu amado,
por que hei gran cuidado!
E ai Deus, se verrá cedo!

(Rei D. Dinis, In Cantigas De Amigo - Poesia Trovadoresca )