Rosário Flores descoberta para o Cinema em «habla con ella»
Este filme revela um olhar melancólico sobre o silêncio e constitui um desconcertante trabalho de desalinhamento emocional perante o stradivarius de distanciamento no espreitar do sexo feminino e no seu reflexo constrangedor.
O Balé complexo de identidades que se tocam chega-nos com um número de Pina Bausch numa fantástica sequela onde surgem dois personagens com reacções histéricas comuns mas ao mesmo tempo, divergentes quanto às motivações que os movem (ambos assistem ao mesmo bailado melodramático mas são diferenciadas as convulsões e respostas subjectivas que cada um apresenta).
A pedra de toque que nos leva ao génio do argumento está no entrelaçar de comportamentos entre as quatro personagens que se encontram numa clinica - Benigno (Javier Cãmara) o jovem enfermeiro que cuida de Alicia (Leonor Watling) e o escritor Marco (Dário Grandinetti) que faz companhia a Lydia (Rosário Flores), ambas as Mulheres estão em estado coma mas encontram-se nos monólogos a que são sujeitas enquanto pacientes.
Este é o melhor filme espanhol dos últimos anos e transcende toda a tentativa metafísica que outros semelhantes tentaram trazer : «Abre los Ojos» (Alejandro Amenabar) ou «Lucia y el sexo» (Julio Medem), estreados um ano antes (2001), não conseguiram a mesma meditação profunda sobre o modo como falamos com e através das pessoas, objectos e textos que exprimem a nossa vida.
O aspecto mais notável deste filme reside no ardil engenhoso que permite transportar o espectador para outra dimensão (afastando-se da ênfase que mais desagrada ao público), sem descurar toda uma sequência lógica e coerente com os créditos finais.
Sucede que, a famosa obscuridade do realizador atinge o seu auge neste filme quando são arquitectados planos eufemísticos em que salta à vista todo o génio criativo que permite tornar cómica a cena em que aparece o período a Alicia ou a cena que origina a sua gravidez (por violação?).
No entanto, a famosa "cereja em cima do bolo" está reservada para a brilhante interpretação de Caetano Veloso que canta (ao vivo) o clássico «Paloma» acabando por perdurar para a eternidade o sabor amargo que é o da consciência do adverso.
* "Nací en una mala época para Espana, pero muy buena para el cine" (Pedro Almodóvar)